O sonho de uma América Latina integrada economicamente é umdos mais antigos da região, uma vez que esta sempre enfrentou problemaseconômicos, sociais e políticos, fruto de uma colonização baseada unicamente naexploração. Diante desta realidade, muito discutiu-se acerca da integraçãoeconômica como solução para os problemas latino-americanos.
Com isso, em meados do séc. XX, a CEPAL (Comissão econômicapra a América Latina e Caribe), “umimportante fórum de debates na busca de interesses latino-americano(...),entende e prega que o nosso caminho não será outro que o da nossa integraçãoregional”
Neste contexto, em 1960, é assinado o Tratado de Montevidéu,o qual cria a ALALC (Associação Latino-Amerciana de Livre Comércio); seuobjetivo é “o estabelecimento, alongo prazo, de forma gradual e progressiva, de um mercado comum latinoamericano e, de imediato, uma zona de livre comércio”
No entanto, em 1969, alguns dos países que assinaram oTratado de Montevidéu – Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru;posteriormente Venezuela, decidem pela formação de um sub-grupo regional. Demodo que, com o Acordo de Cartagena, criam o Pacto Andino, o qual previa ainstituição de um Tribunal de Justiça e de um Parlamento andinos. Embora aindaválido, o Pacto Andino não produz efeitos práticos.
Em 1980 o Tratado de Montevidéu é renegociado. O resultadodesta renegociação é a criação da ALADI (Associação Latino-Americana deIntegração). A ALADI dispõe tão somente acerca de mecanismos de preferênciastarifárias de caráter bilateral, não estabelecendo prazos para tanto.
Ainda na década de 80, Argentina e Brasil iniciamnegociações a fim de estabelecerem um processo de integração bilateral; assim,em 1985, é assinada a Declaração de Iguaçu, a qual deu início ao processo deintegração econômica entre estes dois países. No entanto, este processo, porcerto tempo, foi abandonado. Mesmo em face de tal abandono, em 1991 é assinadoo Tratado de Assunção, o qual cria o MERCOSUL, tendo como membros fundadoresBrasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
O MERCOSUL, diferentemente da ALALC e da ALADI, não buscauma integração regional, e sim uma integração sub-regional, assemelhando-se aoPacto Andino. No entanto, tal distinção não significa que o MERCOSUL não possatransformar-se em um projeto de integração regional, pois encontra-se aberto àadesão de novos membros.
De acordo com o disposto no art. 1º do Tratado de Assunção,o objetivo a ser alcançado pelo MERCOSUL é “a constituição de um mercado comum,com a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os paísesmembros, através da eliminação de direitos alfandegários e de restriçõesnão-tarifárias vigentes no comércio recíproco”
Em 1994, com a assinatura do Protocolo de Ouro Preto, ficaestabelecida a estrutura institucional definitiva do MERCOSUL. Este documentoconfere ao bloco personalidade jurídica de Direito Internacional (art. 34).Ressalte-se que o Protocolo de Ouro Preto em nada modifica os objetivosdefinidos pelo Tratado de Assunção, apenas cria sua estrutura institucional. Apartir de então o MERCOSUL evoluiu para o estágio de união aduaneira, ainda queincompleta.
Tanto o Tratado de Assunção quanto o Protocolo de Ouro Pretonão fazem menção à adoção de normas de Direito Comunitário, tampouco acerca dainstituição de organismos supranacionais. Ressalte-se, por oportuno, que oTratado de Assunção estabelece como meta a ser atingida pelo MERCOSUL aconstrução de um mercado comum, sendo indispensável, para tanto, a adoção detal sistema.
Embora inspirado na experiência européia, nenhum dosdocumentos mercosulistas alude à normas supranacionais. De acordo com WagnerRocha D’Angelis, o Tratado de Assunção se assemelha muito mais à Convenção deBENELUX do que ao Tratado de Roma, “uma vez que não comporta procedimentos ouaspectos normativos do tipo comunitário, tampouco prevê organismossupranacionais”[4].
Face o art. 2º do Protocolo de Ouro Preto, resta claro que oMERCOSUL adota o modelo jurídico baseado na intergovernabilidade, sendo talposicionamento reforçado pelos artigos 37 e 42.
De acordo com Deisy de Freitas Lima Ventura, as regras deDireito Comunitário não forma incorporadas pelo sistema jurídico vigente noMERCOSUL, uma vez que os membros incorporam tão somente as normas que lhesinteressam.
O modelo intergovernamental adotado pelo MERCOSULencontra-se arraigado aos conceitos clássicos de Soberania e DireitoInternacional Público; sendo que a principal característica reside no fato deque todas as decisões do bloco encontram-se vinculadas à vontade política dosEstados Partes.
A intergovernabilidade pode ser entendida como um nívelintermediário entre a soberania tradicional e a supranacionalidade, onde osEstados Partes mantêm sua soberania no que se refere ao seu ordenamentojurídico; no entanto, têm a possibilidade de participar de um processo deintegração regional.
Em razão do sistema adotado pelo MERCOSUL, qual seja – aintergovernabilidade, o processo de integração resta prejudicado. Tal prejuízose deve ao fato de que os Estados, não delegando parcela de sua soberania em favordo bloco, colocam em risco os interesses coletivos.
Outro ponto que corrobora o entendimento de que o MERCOSULsó tem a perder com o sistema intergovernamental é o fato de que as normasderivadas, quais sejam, as Decisões, Resoluções e Diretrizes, se baseiam naTeoria das Organizações Internacionais e, embora sejam de caráter obrigatóriopara os Estados Partes, devem por estes ser incorporadas em seus ordenamentosjurídicos internos para se validarem. No ordenamento jurídico brasileiro, porexemplo, tais normas têm a mesma hierarquia dos tratados internacionais, osquais necessitam de aprovação do Congresso Nacional para serem válidos.
Em virtude da adoção do modelo intergovernamental, todas asdecisões emanadas do bloco necessitam ser internalizadas para que produzam osefeitos jurídicos desejados. Deste modo, não há como diferenciar as normasadvindas do MERCOSUL daquelas produzidas nas relações com terceiros países.
Como conseqüência do procedimento adotado, ocorre umaexcessiva lentidão, fruto de todo este procedimento burocrático. Um exemploprático que pode ser citado é o caso do próprio Protocolo de Ouro Preto;assinado em 1994, somente entrou em nosso ordenamento jurídico no ano de 1996.Como resultado tem-se a criação de obstáculos ao processo integracionaista, quevisa a celeridade na aplicação de suas decisões.
Ressalte-se, por oportuno, que o caráter intergovernamentalfuncionou muito bem enquanto o MERCOSUL encontrava-se no período de transição.Hoje, encontrando-se no estágio de união aduaneira, tal sistema já não é maisadequado.
Para o total “deslanche” do MERCOSUL faz-se necessária ainstituição de organismos supranacionais, uma vez que aqui a vontade políticasupera o Direito, o que, na maioria das vezes, prejudica o intuitointegracionaista em favor dos interesses dos próprios Estados.
Pode-se dizer que o Direito Comunitário surgiu no seio daComunidade Econômica Européia e que é uma evolução natural do DireitoInternacional Clássico.
Assim, o Direito Internacional Público pode ser subdivididoem Direito Internacional Público Clássico e Direito Internacional PúblicoModerno. Naquele o sistema entre as nações soberanas é um sistema decoordenação, onde os Estados possuem parcelas iguais de soberania, onde umEstado não pode intervir no outro. Nesta concepção, as grandes preocupações dosEstados são a guerra e a paz. No entanto, com o término da Segunda GuerraMundial, sobretudo na Europa, outros temas – além da guerra e da paz, despertama preocupação das nações, como a proteção d meio ambiente, a dignidade dapessoa humana e o comércio.
Como já foi mencionado, em virtude de tais acontecimentos,alguns países europeus iniciam um processo de integração regional,ultrapassando a simples integração econômica, visando uma integração completa.
Com a assinatura do Tratado de Roma, os conceitostradicionais de Direito Internacional Público e Soberania são abalados, uma vezque estes países cedem parte de sua soberania em favor de instituiçõessupranacionais, as quais editam normas comunitárias – obrigatórias para aspartes; tais normas se sobrepõem às normas nacionais. Surge, assim, o chamadoDireito Comunitário.
São características essenciais do Direito Comunitário: aautonomia, a primazia, a aplicabilidade direta, o efeito jurídico imediato e aaplicação de sanções ao Estado-Parte que não cumprir a norma comunitária.Vejamos cada uma destas características mais detalhadamente.
O art. 189 do Tratado de Roma trata da aplicabilidadedireta; entretanto não trata tão somente disto. Cuida, ainda, da autonomia dasnormas comunitárias, pois a autonomia faz com que as normas criadas sejamuniformes e integralmente válidas para todos os membros.
Por meio da aplicabilidade direta as normas comunitáriaseditadas não necessitam de incorporação pelos ordenamentos jurídicos de cadamembro para que tenham validade no interior dos mesmos; são inseridasautomaticamente.
O efeito jurídico direto do Direito Comunitário não vemprevisto no Tratado de Roma; apesar disto, é amplamente utilizado e amparadopelo doutrina e jurisprudência européias. O efeito jurídico direto permite quetodos os particulares se utilizem das normas e instituições comunitárias, umavez que as normas emanada de tais órgãos geram direitos e obrigações a todos, enão somente aos Estados Partes. Como já mencionado, o Direito Comunitário nãopreocupa-se tão somente com a guerra e a paz; preocupa-se com o meio ambiente,comércio, defesa da concorrência, defesa dos direitos humanos, dentre outros.
A primazia das normas comunitárias reflete que estas sãohierarquicamente superiores à normas dos ordenamentos jurídicos internos dasPartes. Tal superioridade hierárquica não se refere tão somente às leisordinárias, refere-se, também, às normas de caráter constitucional.
A última característica de Direito Comunitário é apossibilidade de aplicação de sanção ao Estado Parte que não cumprir o que foideterminado pela norma supranacional. Tais sanções são aplicadas pelo Tribunalde Justiça das Comunidades Européias.
Diante do exposto, vemos que o Direito Comunitáriosobrepõe-se ao Direito Nacional, o que exige grande esforço e vontade políticados membros.
Pretende-se, neste item, traçar um breve paralelo entre ossistemas comunitário e intergovernamental, ou seja, os sistemas adotados pelaUnião Européia e MERCOSUL, respectivamente.
Como já foi dito, o Direito Comunitário surgiu com o términoda Segunda Guerra Mundial, sendo encarado como uma evolução do DireitoInternacional Público. Esse novo ramo do Direito interessa-se pela integração,como sendo este o modo para desenvolvimento regional.
Em Direito Internacional, por sua vez, as soberanias sãoiguais, ou seja, cada Estado é soberano, havendo respeito recíproco entre eles.Em um sistema regido por normas comunitárias, este conceito de soberania sofreuma alteração, uma vez que os membros daquele bloco cedem parcelas de suassoberanias para órgãos supranacionais, os quais têm poder decisório e suasdecisões são obrigatórias para todas as partes, tendo aplicabilidade direta,efeito jurídico imediato e a cominação de sanções em caso de descumprimento dasmesmas. Além disso, possuem primazia em relação às normas jurídicas dos ordenamentosnacionais.
Nos sistemas regidos pro normas de Direito Internacional,entretanto, as normas não são auto-aplicáveis e não geram efeito jurídicodireto para os particulares dos Estados Partes. De acordo com o art. 42 doProtocolo de Ouro Preto, as normas emanadas dos órgãos com capacidade decisóriasão obrigatórias. No entanto, precisam ser incorporadas pelos respectivosordenamentos jurídicos para serem validadas no interior dos mesmos. Quando aspartes optam por não cumpri-las, não existem sanções; o Membro que não ascumprir somente sofrerá retaliações econômicas das demais partes.
5.
Em nenhum dos seus documentos, o MERCOSUL alude àperspectiva de adoção de um modelo comunitário, com institutos e normassupranacionais, embora a meta final do Tratado de Assunção seja a construção deum mercado comum, o que, em nosso entendimento, é muito difícil sem a presençade órgãos supranacionais para a regulação das normas emanadas do bloco.
Como já dito, o MERCOSUL adotou o modelo supranacional, oqual funciona muito bem na fase de livre comércio; no entanto, ao adentrarmosna fase de união aduaneira, tal sistema mostra-se deficiente, embora aindapossa ser utilizado. Quando implementar-se o mercado comum, tal sistema setornará inviável.
Até o presente momento nada foi feito a fim de que seimplantasse o sistema comunitário no âmbito do MERCOSUL. Ainda que atitudesneste sentido sejam tomadas existem barreiras práticas e constitucionais asquais devem ser transpostas para que este sistema seja, de fato, implementado.
O Paraguai, dentre todos os membros do MERCOSUL, é oque se encontra mais preparado constitucionalmente para a implementação denormas comunitárias.
O art. 1367 da constituição paraguaia, promulgada em 1992,dispõe que os tratados, convênios e acordos internacionais aprovados eratificados possuem hierarquia superior às leis sendo, porém, inferiores àprópria constituição
Assim, referidos atos internacionais sofrem o controle daconstitucionalidade; no mesmo sentido, encontra-se o disposto no art. 141.
De caráter extremamente importante e inovador é o art. 145,o qual traz menção expressa a uma ordem jurídica supranacional. Mencionadoartigo dispõe que o Paraguai, em condições de igualdade com outros Estados,admite uma ordem jurídica supranacional, onde seja garantida a vigência dosdireitos humanos, da paz, da justiça, da cooperação e do desenvolvimento, nopolítico, econômico e cultural.
Diante do exposto, concluí-se que o Paraguai encontra-se constitucionalmentepreparado para a eventual adoção do modelo comunitário no âmbito do MERCOSUL.
A constituição federal argentina, assim como aparaguaia, encontra-se preparada constitucionalmente para a adoção deinstitutos e normas comunitárias no MERCOSUL.
Embora tanto a constituição argentina quanto a paraguaiaadmitam a supranacionalidade, há sutil diferença entre a supranacionalidadeadmitida por tais países.
A constituição paraguaia admite a supranacionalidade desdeque esta encontre-se em condições de igualdade e em consonância com os direitoshumanos, com a paz, com a justiça, com a cooperação e com o desenvolvimentoeconômico, político, social e cultural. A constituição argentina, por sua vez,acresce à igualdade a reciprocidade, impondo como condições para a adoção domodelo comunitário apenas o respeito à ordem democrática e aos direitos humanos
Deste modo, Paraguai e Argentina realizaram modificações emsuas constituições prevendo a instituição de organismos supranacionaiscomunitários no âmbito do MERCOSUL, encontrando-se preparados para tanto.
O Brasil, assim como o Uruguai, apresenta barreirasconstitucionais à adoção do sistema comunitário no processo de integraçãoregional.
Em sua constituição cria tais obstáculos ao dispor eu asoberania é o fundamento da República brasileira (art. 1º), tendo comofundamentos de suas relações internacionais a independência nacional e anão-intervenção (art. 4º, I e IV). Também há disposição expressa acerca docontrole da constitucionalidade dos tratados internacionais (art. 102, III. B).
Assim, a constituição brasileira nega, simultaneamente, asidéias de unificação política bem como a de que normas internacionais possamter aplicabilidade direta no interior do país, mesmo aquelas que se relacionemao processo de integração.
No entanto, a disposição contida no parágrafo único doartigo 4º é diversa, pois tal artigo prega a integração econômica, política,social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de umacomunidade latino-americana de nações. Este artigo merece atenção especial,posto que, ao ser dada uma interpretação construtiva, os obstáculosconstitucionais podem ser contornados, visando-se a adoção do modelocomunitário, uma vez que mencionado artigo se refere à integração política evisa a formação de uma comunidade latino-americana de nações, o que nos pareceinviável sem a criação de órgãos comunitários e supranacionais.
Assim, a questão a ser solucionada no Brasil, no que dizrespeito as barreiras constitucionais impostas à adoção do modelosupranacional, são bem mais simples do que aquelas que devem ser transpostas nocaso uruguaio.
Diante do exposto, concluí-se que o Brasil, embora nãoconsagre em sua Carta Magna, a adoção de órgãos e normas supranacionais, o fazde forma implícita, uma vez que prega a busca da integração política e aformação de uma comunidade latino-americana de nações – o que é praticamenteimpossível valendo-se tão somente do sistema intergovernamental.
Assim, quando chegado o momento da implementação deinstitutos supranacionais, tais barreiras devem ser transpostas, sendo o casobrasileiro de solução mais simples que o caso uruguaio.
O MERCOSUL, embora inspirado na experiência européiapara sua formação e tendo como meta a formação de um mercado comum, em nenhumde seus documentos prestigia o sistema comunitário e a adoção de órgãossupranacionais.
Face aos dispositivos do Protocolo de Ouro Pretoresta claro que o sistema vigente no MERCOSUL é o intergovernamental. Talsistema só torna lento o processo de integração do cone sul, pelo fato de quetodas as decisões devem ser internalizadas para serem consideradas válidas nointerior de cada Estado Parte.
Outra característica do sistema intergovernamentalque também o torna inadequado para um processo de integração que vise aformação de um mercado comum é o fato de que todas as decisões devem sertomadas por consenso entre os membros. No âmbito mercosulista, a falta dematuridade política e a situação econômica precária das partes faz com queestas barrem decisões que os prejudiquem individualmente, embora se mostremfavoráveis ao bloco como um todo.
Assim, a conclusão à que se chega é a da necessidadede adoção de normas de Direito Comunitário, com a instituição de órgãossupranacionais.
No entanto, a adoção do modelo jurídico europeutrata-se de tarefa árdua, pois não depende somente da vontade política dosmembros (o que por si só já é um entrave aos intentos integracionistas). Alémdisto, existem outros obstáculos práticos, ideológicos e constitucionais, hajavista que as constituições brasileira e uruguaia representam algumas dasbarreiras a serem transpostas.
Argentina e Paraguai já encontram-se preparados paraa adoção do modelo comunitário; Brasil e Uruguai, por sua vez, necessitam dereformas constitucionais para atingirem o mesmo estágio dos demais parceiros.
Assim, concluí-se que a supranacionalidade mostra-secomo alternativa para o desenvolvimento do MERCOSUL, talvez a única, uma vezque o sistema intergovernamental mostra-se deficiente.
BIBLIOGRAFIA
VENTURA,Deisy de Freitas Lima – A ordem jurídica no MERCOSUL