1-        Um tribunal  judicial  para asComunidades Européias e os juizes do Mercosul para resolver conflitos naintegração.

O mundocontemporâneo globalizado reclama soluções em nível multipolar. O regionalismo[1]foi concebido como a melhor forma para o enfrentamento das dificuldades que anova postura internacional reclama, agrupando os países em blocos, formados pelos  geograficamente mais próximos. Esses grupos integram-seeconomicamente, estabelecendo um processo de superação de obstáculos e discriminações entre as economiasnacionais participantes, podendo criar, desde uma simples zona de livrecomércio, passando pela união aduaneira, com vista ao mercado comum, até alcançar uma união econômica maisaperfeiçoada, com a circulação de moeda única, inclusive. O sucesso da UniãoEuropéia tornou-a o modelo ideal  paraessa forma de convivência mais estreita entre os Estados vizinhos, constituindouma verdadeira comunidade, com autonomia e jurisdição próprias.

Com aassinatura dos  Tratados de Paris[2]Roma,[3]surgem, na década de 50, os  princípiosbasilares das Comunidades Européias (CE),[4]ousadamente integracionistas.    Oinusitado centrou-se no fato de não buscarem os Estados-membros, por viaconvencional,  um sistema de simplescoordenação de soberanias estatais, como costume.  Pelo contrário, optaramem conceber organizações internacionais[5]diferenciadas, as quais conferiram autoridade para  atuarem commaior dose de independência.[6]A supranacionalidade,[7]  mencionada expressamente nos tratados, passaa ser a tônica das novas instituições.

 Logo foi percebida, pelos mentores dasComunidades, a necessidade de um órgão jurisdicional próprio, para  preservar o equilíbrio entre as diferentesvontades soberanas estatais. Esse reconhecimento foi traduzido na criação de umTribunal especial,[8]com competência exclusiva para  resolvereventuais impasses[9]e dar  o suporte  necessário às novas relações produzidas pelaaplicação das normativas.

              O Tribunal de Justiça dasComunidades Européias(TJCE)[10]  nasceu assim,  com o objetivo de uniformizar a interpretação das novas regrasjurídicas, e a solução de  eventuaislitígios.[11]

             A Alta Corte vem, desde o seusurgimento, garantindo a aplicação das normas dos tratados (obrigatoriedade deseu cumprimento pelos Estados-Membros), ou seja, a sua força e eficácia.[12]Da regulação  desse sistema sui generisde aproximação, transmudando o sistema tradicional de DIP clássico,  nasceu o Direito Comunitário,[13]elaborado pelos juristas europeus, que assim presentearam o mundo com umaformidável obra, fruto de sua criatividade, audácia, e conhecimentojurídico-científico, acrescentando diferentes fontes normativas  aovetusto Direito das Gentes.[14]      

 Influenciadospelo sucesso da unificação européia, a Argentina, o Brasil, o Uruguai e oParaguai, assinaram o  Tratado deAssunção,  ajustando, para um futuropróximo, dezembro de 1994, a evolução para a forma integrativa, aos moldes deuma  verdadeira comunidade regional, aqual, por antecipação, denominaram de Mercado Comum do Sul (Mercosul).   

Os poderes outorgados  ao Mercosul não são semelhantes aos tratados comunitárioseuropeus. Os Estados do Cone Sul elegeram permanecer dentro de uma ordem jurídica tradicional em DireitoInternacional Público, assentada na soberania indivisível dos Estados. Nessesentido o seu caráter intergovernamental.

Com vistaa solução de conflitos  foi criada peloProtocolo de Brasília (PB), em 1991, a forma arbitral, destinada apenas à fasetransitória do Tratado. Ratificada posteriormente, na íntegra, em 1994, pelo oProtocolo de Ouro Preto, tornou-se, pelo menos por ora, definitiva, decepcionando  os que esperavam a criação de uma  Corte Judicial. Pelo contrário, optaram, os mentores do Mercosul,pela solução extrajudicial ad hoc, comum Tribunal não permanente. A melhor doutrina, em quase unanimidade, condena amanutenção do atual sistema.[15]

 Ao contrário das Comunidades Européias, emque foi idealizado um sistema judicialista propício ao nascimento do DireitoComunitário, o sistema de soluções decontrovérsias no Mercosul é muito singelo e frágil. Os mecanismos destinados aotribunal arbitral, previstos no PB, não podem solucionar todas as situações quese vão fazendo presentes, com reduzido acesso aos particulares - excluídos da forma direta -. Peloaludido protocolo aos particularessomente foi autorizada a solução ao Tribunal Arbitral do Mercosul, mediante a intermediação processual dele,o Estado – o único legitimado -.

 O direito à solução de litígios aosparticulares- due process of Law - surgiuassim, intermediado. Esse sistema constitui uma garantia ao Estado para que onacional  somente possa acionar o TA, seo seu interesse coincidir com o interesse estatal.[16]  Somente o Estado poderá impulsionar areclamação proposta por pessoas físicas ou jurídicas, segundo o seu própriojuízo  de conveniência.

NasComunidades Européias o acesso ao TJCE (diferentemente da maioria das cortesinternacionais, que decidem somente litígios intergovernamentais),[17]não é   discriminatório. Todos têm  legitimidade ativa para recorrer à suajurisdição (TrCe, art.176). Os Estados-Membros dotaram o Alto Tribunal de  competência para dirimir controvérsias  entre eles, seus  nacionais,  residentesno  país,  ou entre eles e os Estados-Membros, ou entre quaisquer partesprocessuais e as instituições. As decisões judiciais atingem diretamente osnacionais, que podem acionar seu próprio Estado faltoso.[18]          

 A criação de um órgão judicial é deveras importante, pois ocontrole da legalidade  dos objetivosdos tratados constitui o sustentáculo da integração. A simples edição denormas, não é suficiente, por si só, para dar eficácia  a tal sistema. Nas Comunidades essa tarefacoube, com exclusividade, ao TJCE, e no Mercosul o controle judicial, na faltade uma jurisdição única, é feito, individualmente, em cada país, pelos juizesnacionais, conforme veremos a seguir, no próximo item. 

 

2.      A regulação e ocontrole do Direito da Concorrência na CEE e no Mercosul.

Os tratados constitutivos, tanto nasComunidades Européias, como no Mercosul, têm como meta a livre circulação debens, serviços e fatores produtivos, em um espaço regional integrado. A Noçãode Mercado Comum se exprime no conceito de mercado único. Na contramão,qualquer conduta atentatoria contra a livre concorrência, entre os Estadopartícipes, [19]tem como conseqüência impedir à concreção do plano, como por exemplo aimposição de barreiras fiscais,  quotas,ou quaisquer outras medidas restritivas.

A evolução alcançada pela CEE,com  a circulação de moeda única,  fez-se realidade devido a um sistemainstitucional adequado a reger as políticas comunitárias sobre  o direito da concorrência, a matériatributária e a harmonização das legislações internas dos Estados-Membros (queenglobam certas proibições tais como a de cobrar direitos aduaneiros uns dosoutros, ou encargos de efeito equivalente, ou ainda, aplicar imposiçõesdiscrimintórias nas trocas intracomunitárias) Decisivas, nesse contexto, foramas atividades, regulamentadora administrativa por parte do Conselho e daComissão, [20]e a judicial pelo TJCE, zelando pelo cumprimento das disposições normativas.[21]

As decisões da Alta Corte tiveramcomo conseqüência o aprimoramento da legislação  comunitária sobre a defesa comercial, eliminando práticas antidumping, por serem incompatíveis como processo de integração. Elas tem por finalidade conferir proteção seletiva e temporária àquelas empresasnacionais que não estão preparadas para enfrentar a concorrência internacional,nas importações de produtos similares. Tais práticas são inviáveis em um espaçoregional, onde deve estar  asseguradaa  livre  circulação de fatores produtivos, bens, pessoas, serviços ecapitais. Foram abolidas na CEE, eliminado qualquer  forma de medida protecionista, para não afetar as importações e exportaçõesde bens intrazona. Esse fato não impediu os Estadis-Membros de disciplinar, emcomum acordo, as metas de política industrial e agrícola, e as regras deconcorrência  de forma conciliatória comos plano de desenvolvimento integrado. [22]Cada Estado pode regular suas importações, desde que seja, indistintamente,aplicável ao produto nacional similar.

Paralelamente ao mercado comunitáriointerno, a CEE adotou uma política comum também em relação aos paísesterceiros, pressuposto fundamental para um processo integracionista (TarifaExterna Comum). Visando combater a prática da concorrência desleal sãoaplicadas as normas internacionais do Acordo geral sobre as Tarifas Aduaneirase o Comércio (GATT), no comércio com outros estados,  coexistindo com os mecanismos de regulamentação econômicacomunitária.[23]

O Tratado de Assunção previu para oMercosul a formação de uma zona comum, a ser instituída   com a coordenação de políticasmacroeconômicas e setoriais entre os países signatários, para assegurarcondições adequadas à livre concorrência. Tal coordenação necessita serimplementada por uma legislação, harmônica, nas políticas tributária,  industrial, agrícola, cambial e monetária.[24]Pelo Protocolo de Fortaleza foram instituídas regras comuns para  a de Defesa da Concorrência (decisão 18/96do Conselho de dezembro de 1996). A aprovação desse instrumento implica naobrigação de criar  um órgão autônomoresponsável pela defesa da concorrência, para todos os Estados-Partes. Tem como o objetivo regular as estruturas de mercado e impedir os atos e aspráticas restritivas  intrazona.Sujeitam-se às suas normas, quaisquer condutas realizadas por  agentes econômicos, públicos ou privados,que tenham por objeto produzir efeitos sobre a concorrência no Mercosul.[25]

 A partir da entrada em vigor do instrumento constitutivo foiinstituído o programa de LiberaçãoComercial, com a finalidade de eliminar restrições aduaneiras, de qualquerespécie, para permitir a livre circulação de bens. Com o passar do tempo,porém, as dificuldades, nessa  área,passaram a assumir contornos significativos, devido, principalmente àseconomias fechadas e protecionistas dos Estados-Membros, e a dificuldade decompreensão do verdadeiros significado de um espaço geográfico único. Em  relação as medidas antiduping, os EM não ultimaram alcançar as metas de eliminação.

Abordar essa temática, de formacomparada, em relação ao Direito da Concorrência nas Comunidades Européias e noCone Sul é extremamente complexo, pois, enquanto na  Europa foi consagrada uma estrutura institucional supranacional,no Mercosul vigora apenas o sistema intergovernamental, que influi naefetividade dos  instrumentos adequadosna área de política da concorrência[26](a análise comparativa, no entanto, não pode ser desprezada no sentido de  identificar a evolução possível).[27]No que concerne ao controle de legalidade, a distância é ainda maior, pelafalta de  previsão de  um sistema jurisdicional próprio para oMercosul, com a finalidade de  garantira aplicação  legislativa e a uniformidadede interpretação. O sistema de solução de controvérsias arbitral, previsto noPB, ainda pouco utilizado, não é apropriado para  resolver todas as pendências, principalmente,  entre particulares, e entre esses e o seupróprio Estado. Os Estados-Membros, no entanto, para dirimirem eventuaislitígios, estão obrigados ao mecanismo de soluções de controvérsias previstosnos protocolos.[28]Significa que não lhes é facultado resolverem as diferenças fora dos meios preestabelecidas nos tratados - es un camino sin retorno -[29]

Ausente um órgão judicialcomunitário para o Mercosul, dentre as opções de acesso à jurisdição, como éóbvio, há sempre a possibilidade de o particular recorrer aos tribunais locais.Na ordem prática, coube ao Juiz nacional decidir,  sem a perspectiva de poder valer-se de consultas,[30] ou reenvios, a um Tribunal  Judicial especializado, a maioria dosconflitos na integração. Vem daí que a observância dos objetivos do TA ficadependente da boa vontade e do exato conhecimento das normativas, pelosmagistrados domésticos, em prolatarem suas sentenças de forma coesa, em umaexegese livre de qualquer peculiaridade individualista.[31]  

  Com a finalidade debem ilustrarmos a relevância que as decisões dos Juizes Nacionais, nainterpretação e aplicação do Tratado  deAssunção e protocolos, podem acarretar para  ao seudesenvolvimento,  lembramos os doiscasos judiciais, bastante polêmicos, que ultimaram impor bloqueio e restrição, por meio da imposição de quotas,às importações de  bens intrazona.   Devido às decisões prolatadas pelaJustiça, argentina e brasileira, temporariamente, ficou instabilizado oprograma de circulação de mercadorias, pondo em risco  todo o acordo firmado.  

  O pedido judicial de bloqueio à importação  de arroz,  por algunsagricultores brasileiros, contrários à concorrência do produto de procedênciaargentina e uruguaia, com preço mais favorável,  sob o argumento  de  Dumping,  encontrou guarida,  em  acórdão proferido peloTribunal Regional Federal da 4ª Região[32]l (que por sua vez havia reformado a decisão do juiz monocrático da Comarca deUruguaiana/RS, contrária a suspensão da entrada de produto oriundo dos paísesdo bloco). Em sede de recurso, revendo a decisão,   pelo pronunciamento de seu Presidente, assim ficou decidido peloSTF:

... a suspensão dasimportações interfere na própria credibilidade da política externa brasileira,colocando-a em risco, na medida em que frustra a observância pelo País decompromisso assumido em avenças públicas internacionais, qual o livre comérciode bens, além de comprometer o processo de consolidação do MERCOSUL, o que serevela gravemente danoso para a economia nacional.[33]

De outrabanda, inconformados com o ingresso em território argentino, de produto de procedência brasileira,[34]foi proposta, por produtores argentinos, Medida Cautelar ante a Justiça Federal,[35]para restringir lá importación de polloseviscerados, por la ficjación de cupos, sob igual  argumento dos arrozeiros  brasileiros, no caso  acima referido - suspeita de   Dumping-,acolhida, na República Argentina,  pordecisão de um juiz de 1º grau, impondo cotas à importação.

O acórdãoda lavra dos magistrados da Câmara  Federal do Paraná, houve por bem  reformar a decisão monocrática, acimareferida, para suspender a exigência restritiva de imposição de quotas. Seusmembros, não fundamentaram o acórdão nas normativas do Mercosul. Embora jáelaborado o Protocolo de Fortaleza, que regula o Direito da Concorrência, deforma comum, para os EM,  ainda não   havia sido recepcionado em  território argentino. Aplicou o Tribunal,então, as normas sobre a concorrência internacional, em sede do Gatt, de   efeitos extraterritoriais,em vigor nos dois países.  Os magistados  componentes da  Câmara,[36]em síntese,  enfatizam que  a legislação antidumping não se presta  a impor barreiras às importações. [37] Decidiram, no entanto, de acordo com as normas gerais internacionais,[38] que a investigação sobre aocorrência de Dumping deveriaprosseguir, sendo realizada de forma administrativa, reconhecendo essa via,também, como  única competente paraaplicação da sanção, ou seja, a multa compensatória, em caso positivo, nessecontexto, demonstrando notável conhecimento sobre as regras que regem ocomércio internacional geral.        

 

Conclusão:

O Mercosulexiste, exatamente para resolver os entraves decorrentes  das assimetrias, cujo comércio estáamparado, pelas suas normativas elaboradas em consenso entre os partícipes, na tentativa de ampliar o livrecomércio regional. A denominada Culturada Concorrência necessita ser bastante aprimorada, para que possa ser  utilizada como instrumento fortalecido, paraa conquista conjunta de novos mercados internacionais, como os acordos comterceiros países, CEE, ALCA, e muitos outros.

Após maisde uma década  da assinatura do Tratadode Assunção, verifica-se não  ter oMercosul alcançado ainda o desenvolvimento, no sentido planejado  por seusmentores, de consolidar uma integração comunitária entre os Estados-Membros.Seguramente, parte deste retardamento se deve à exegese das normativas, demaneira desigual, dificultando a concreção do plano. A efetiva aplicação dostratados e protocolos pode ficar ameaçada, a qualquer tempo, por interpretaçõescontrárias aos objetivos do Plano, impedindo sua eficácia. 

     As decisõesjudiciais no âmbito do Mercosul,   sãode grande relevância para o processo de integração. Não são, porém, osmagistrados, os únicos Operadores do Direito responsáveis neste contexto. Cabeao advogado um relevante papel, que se constitui na extrema cautela e prudênciapara não tentar frustrar o compromisso internacional firmado pelo seurespectivo Estado, propondo lides temerárias, a fim de satisfazer interessesindividuais (que não estão em sintonia com os objetivos integracionistas deseus respectivos países e, por vezes, nem representam a unanimidade de suaprópria categoria).  Seu trabalho, nainterpretação dos textos jurídicos, em conjunto com os  magistrados, tem o dom de transformar anorma abstrata em direito vivo.  Ahabilidade dos profissionais do direito na condução  dos processos levados  aosTribunais, como representantes dos interesses das partes é que vai delinear oDireito posto em juízo.   Todos, porém,devem estar conscientes de que um tratado, compromisso firmado pelo respectivoEstado, deve ser cumprido, não podendo estar em contradição a vigência nacionalcom a externa. A integração comunitária exige uma outra postura jurídica, onde devem ser revistos  conceitos e preconceitos individualistas jáarraigados. Constitui um grande desafio aos profissionais do Direito, esse  novo enfrentamento, que irá, em últimaanálise, ampliar também o mercado profissional. Devem todos estar atentosao  papel a ser representando neste novocontexto jurídico, social e econômico, para que este processo, que éinevitável, transforme-se, não em uma perda, mas em  enriquecimento, com a conjugação de conhecimentos, culturas,tradições e soluções jurídicas, na conquista de um espaço integrado voltado aproporcionar uma sociedade comunitária com qualidade de vida, mais justa ehumana, disponibilizando, aos habitantes do Mercosul toda a sua riqueza.  



[1]   A globalização é o resultado desordenado daação de empresas de caráter transnacional visando à distribuição da produção,em larga escala e a  transnacionalizaçãode capitais. A integração regional é organizada e impulsionada por acordospolíticos entre os Estados. FARIA, José Ângelo Estrella. O Mercosul;princípios, finalidades e alcances do Tratado de Assunção. Brasília :Subsecretaria  Geral  do Assuntos de Integração e de ComércioExterior do Itamarati, 1993, p.27.

[2]   Firmado em abril de 1951, criou a CECA -Comunidade Econômica do Carvão e do Aço.

[3]

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