A
constituição do Mercosul foi acordada, em 1991, em um contexto de
redemocratização na América Latina e de início de uma fortíssima concorrência,
em âmbito global, pela atração de investimentos e por mercados. Naquele
momento, a integração econômica foi vista por Argentina, Brasil, Paraguai e
Uruguai como um objetivo de interesse comum, porque, supostamente, daria a
todos os Estados-Partes melhores condições para atender os respectivos
interesses nacionais de garantia da estabilidade democrática, aumento da
competitividade e do poder de negociação no âmbito internacional. Estes traços
são destacados no próprio preâmbulo do Tratado de Assunção.
Até
o advento da crise econômica internacional de 1998-1999, a execução do projeto
Mercosul se deu a contento, em linhas gerais. O caráter automático do processo
de desgravação tarifária passava a imagem de um sistema que seguia regras e
permitia previsibilidade aos investidores e parceiros comerciais, logrando, assim,
seus objetivos de atração de investimentos e incentivo à alocação eficiente dos
recursos e à integração das cadeias produtivas. O pós-1998-1999, porém, trouxe,
de um lado, a adoção de medidas unilaterais que desestabilizaram o campo de
jogo regional, provocando dissenso e ressentimento, e, de outro, a repetição de
vários episódios de uso casuístico de medidas nacionais contrárias às regras de
integração estabelecidas, sempre ao sabor dos momentos críticos que têm
sucedido a cada um dos Estados-Partes do Mercosul, neste período tempestuoso.
As
medidas unilaterais adotadas pelos parceiros e, principalmente, a
descontinuidade casuística da aplicação das regras previstas no projeto de
integração original, às vezes chancelada por todos os Estados-Partes do bloco,
têm tido o grave efeito de minar a credibilidade do projeto Mercosul perante
investidores, terceiros países e os próprios cidadãos dos países membros. A
conseqüência inexorável desta perda de credibilidade é a erosão dos próprios
objetivos que determinaram a criação do Mercosul: o bloco perde atratividade
(tanto para aqueles que apostaram no mercado integrado deixando de obter os
resultados previstos, como para outros que poderiam investir no projeto), e
perde respeito (e poder de negociação) no plano internacional.
Para reverter este processo de esfriamento do
bloco econômico, os Estados-Partes têm se empenhado no projeto denominado
“relançamento do Mercosul”, sob o qual sucessivas Cúpulas do Conselho Mercado
Comum vêm expedindo Decisões sobre a disciplina de várias matérias estratégicas
para a garantia da efetividade das regras de jogo no Cone Sul. Acerca do corpo
de Decisões oriundas deste projeto é que nos debruçamos, selecionando aquelas
que nos parecem mais relevantes, e sobre elas teceremos nossos comentários, com
vistas a uma reflexão prospectiva sobre o Mercosul, orientada para a
efetividade das suas normas e eficiente continuidade na busca do cumprimento
das obrigações assumidas nos tratados fundacionais.
2. O relançamento do Mercosul – Temas
críticos
Dentre
as Decisões oriundas do projeto de “relançamento do Mercosul”, apresentamos, a
seguir, nossas considerações sobre aquelas que nos pareceram mais relevantes,
com vistas a uma reflexão prospectiva, orientada para a efetividade das normas
do bloco econômico.
2.1. Aprovação do Protocolo de
Olivos para a solução de controvérsias no Mercosul
O Tribunal Permanente de Revisão representa um passo importante no
fortalecimento do processo de integração. Neste sentido, deveríamos refletir
também sobre os seguintes aspectos:
a) Aperfeiçoamento da etapa
pós-laudo arbitral (tanto para os tribunais “ad hoc” quanto para as decisões do
Tribunal Permanente), no que diz respeito ao cumprimento dos laudos e
decisões e ao alcance das medidas compensatórias:
O
procedimento de implementação não é muito claro no Protocolo de Olivos. Para
afastar problemas de interpretação precisamos esclarecer e delimitar o sentido
da “obrigatoriedade do laudo” e da “decisão do Tribunal”. Também sugerimos a
introdução de um sistema de acompanhamento do laudo e da decisão proferidos, a
fim de verificar sua aplicação e cumprimento (conforme disposto no Regulamento
do Acordo Mercosul-Chile). Os laudos e decisões devem passar a ser publicados
no Diário Oficial dos países membros e no Boletim Oficial do Mercosul em um
prazo de trinta dias.
b) Acesso dos particulares ao sistema de
solução de controvérsias do Mercosul:
No
que tange aos particulares, o sistema criado no Protocolo de Olivos, de acesso
direto ao sistema de solução de controvérsias do Mercosul via GMC, embora seja
uma iniciativa louvável, peca pela solução de continuidade. Com efeito, caso a
decisão do GMC não seja executada, será necessário o percurso de todos os
trâmites do procedimento arbitral franqueado apenas aos Estados Partes.
O particular também conta com poucos recursos no caso
de descumprimento da decisão do Tribunal ad
hoc ou do Tribunal Permanente, pois, nestes casos, a exigência de
compensação/retaliação fica a cargo do Estado-Parte e não necessariamente
reverte em favor do particular prejudicado pelas medidas restritivas
consideradas ilegítimas. Uma alternativa de solução, seria franquear aos
particulares acesso às vias administrativas e judiciais nacionais para reclamar
os prejuízos causados pelo Estado que não cumpriu o laudo ou decisão.
Nesta
linha, é interessante relembrar o exemplo do sistema europeu. O acesso ao
Tribunal de Justiça da Comunidade Européia (TJCE), para questionar a
legitimidade de medidas adotadas pelos Estados nacionais, é franqueado apenas
ao Estados membros e aos órgãos comunitários, e não existe meio direto de
coerção para obrigar os Estados membros a executarem sentença. Os particulares
têm acesso direto ao TJCE apenas no caso de medidas originadas dos órgãos
comunitários e que lhes digam respeito direta e individualmente (por exemplo,
uma multa aplicada em uma investigação antitruste), e somente para (a) controle
da legitimidade (incompetência, violação das normas fundamentais, violação dos
tratados, desvio de poder), tendo como conseqüência a anulação do ato
comunitário, ou (b) omissão do Conselho/Comissão. Os particulares não têm
direito de recorrer contra atos de natureza legislativa.
Na
prática, o acesso dos particulares se dá via questões prejudiciais nos
tribunais nacionais (art. 177 do Tratado de Roma), e foi este o instrumento que
favoreceu a aplicação uniforme e o desenvolvimento do direito comunitário
europeu. Esta poderia ser uma alternativa para o Mercosul: os particulares
teriam acesso nas cortes nacionais do país violador. Aqueles particulares são
domiciliados no país violador poderiam se servir da Autoridade Central do
Mercosul – que poderia ter suas funções ampliadas e revistas.
Para
tanto, porém, teriam de ser superados dois obstáculos jurídicos, quais sejam, a
proibição da exclusão de questões da apreciação do poder judiciário e a
hierarquia das normas. Em relação ao primeiro ponto, sugerimos a análise da
solução/interpretação adotada nos EUA e México para conciliar disposições
constitucionais similares ao sistema de
opção por recurso ao Tribunal NAFTA, ao invés de ir a cortes nacionais, para
reexame de questões de defesa comercial. Quanto ao segundo ponto, seria
necessária reforma constitucional.
c) Estudo de alternativas para uma
interpretação uniforme das normas do Mercosul:
Valorização da interpretação teleológica dos laudos e
decisões, no sentido de que toda disposição relacionada com o Mercosul deve ser
interpretada tendo-se em conta a finalidade prevista nos tratados constitutivos
e seus protocolos complementares.
d) Aprimoramento institucional:
Sugerimos a fixação de critérios para a conformação
das listas de árbitros “ad hoc” e expertos, e para a sua designação em cada
caso, e a fixação de um período maior de estabilidade dos árbitros “ad hoc”.
O sistema de solução de controvérsias deve contar com
pessoal técnico e administrativo permanente. Isto contribuirá não apenas para a
execução das atividades pertinentes nos casos em curso no sistema, como para a
criação e consolidação da cultura e da memória institucionais.
e) Agilização dos
procedimentos de solução de controvérsias existentes e implementação de
procedimentos sumários para casos determinados:
Devem ser estabelecidas normas, regras e
procedimentos para que as partes delimitem de forma oportuna, clara e
determinada o objeto da controvérsia (similar ao terms of reference do sistema de solução de controvérsias da OMC).
As etapas do procedimento arbitral “ad hoc” poderiam ser simplificadas, com a
definição daquelas a serem seguidas pelo Tribunal Permanente de Revisão, com
vistas a uma maior agilidade dos processos. Deve haver determinação e indicação
precisa sobre os prazos e os meios de prova, nos procedimentos “ad hoc” e no do
Tribunal Permanente, com vistas a inibir a produção de provas desnecessárias e
inadequadas.
f) Outros pontos críticos:
A
par das questões referidas acima, ainda merece destaque a controvérsia sobre a
não incorporação de normas. Este tema é relevante, dado o grande número de
normas não incorporadas, e à inexistência de menção expressa no Protocolo.
Outro
ponto interessante é a referência à escolha entre o sistema de solução de
controvérsias do Mercosul, e o da OMC. A dúvida é: como fica essa realidade na
OMC. Em outras palavras, a OMC acataria este ponto, como preliminar, em um caso
de controvérsia entre Estados Partes do Mercosul que fosse levado à OMC, após
ter havido opção pelo sistema do Mercosul?
Sobre
essas questões precisamos ainda refletir cuidadosamente, com vistas à conciliar
o sistema regional com a lógica multilateral
para que convivam de forma complementar e não conflitiva.
2.2. Regulamentação da aplicação no
Mercosul de medidas adotadas ao amparo do Artigo 50 do Tratado de Montevidéu (CMC 06/02)
O
primeiro passo a ser dado, neste ponto, é a definição, por regra expressa, de
que as medidas tomadas com este fundamento não devem constituir nem um meio de
discriminação injustificada ou arbitrária, nem restrição dissimulada ao
comércio entre os Estados Partes, à semelhança do disposto no Artigo 36 do
Tratado de Roma e no Artigo XX do GATT. Note-se, a propósito, uma diferença
sutil: no Artigo XX do GATT, a discriminação arbitrária ou injustificada é
vedada entre países em que prevaleçam as
mesmas condições. Esta redação é menos pró-comércio que a do Artigo 36 do
Tratado de Roma, permitindo a discussão sobre a equivalência da proteção
conferida aos bens privilegiados pela regra excepcional.
Para
ser mais fiel ao objetivo de integração econômica, o Mercosul deveria evitar o
uso da ressalva “entre países em que
prevaleçam as mesmas condições”. Não obstante, em um período de transição,
este recurso poderia ser admitido, até que fossem harmonizadas as legislações
nacionais nas matérias protegidas pelo Artigo 50 do Tratado de Montevidéu. Além
disso, o Mercosul poderia estabelecer seus próprios Acordos sobre Medidas
Sanitárias e Fitossanitárias, Barreiras Técnicas e Propriedade Intelectual, em
bases OMC-plus.
2.3. Disciplinas relativas aos
procedimentos administrativos de comércio exterior (CMC06/02)
O
Mercosul pode estabelecer um projeto similar ao do Mercado Único da Comunidade
Européia: circulação de bens, serviços e fatores produtivos sem controle nas
fronteiras no interior do Mercosul. Para tanto, poderia ser feita, sob a
coordenação da Secretaria Executiva do Mercosul, um programa detalhado para a
eliminação de barreiras, inclusive físicas (postos de fronteiras), existentes à
livre circulação no interior do Mercosul. Este programa teria de compreender,
necessariamente, de um lado, a padronização dos procedimentos e exigências
aplicáveis às importações oriundas de terceiros Estados. De outro, demandaria o
nivelamento do campo de jogo, por meio da harmonização legislativa nas áreas de
segurança, saúde, proteção ambiental, proteção ao consumidor.
Poderia
ser feito um projeto, à semelhança do Livro Branco adotado na Comunidade
Européia, de determinação das barreiras técnicas (harmonização e aceitação
mútua das regras sobre segurança, saúde, ambiente, etc., o que tem conexão com
a questão da regulamentação do Artigo 50 do Tratado de Montevidéu), fiscais
(diferenças na fiscalidade interna) e, físicas ao livre comércio. Tal estudo
deveria compreender, também, a avaliação do impacto econômico da não
integração, para quantificação dos benefícios decorrentes da integração.
O
programa para estabelecimento do mercado interno no Mercosul deveria ser
similar ao Ato Único Europeu, que determinou prazo, metas e passos a serem observados.
2.4. Propostas destinadas ao
fortalecimento institucional analisando: (a)estrutura, (b)competências,
(c)funcionamento, (d)relação e (e)interação dos órgãos que integram a estrutura
institucional do Mercosul (CMC 01/02)
Não
resta dúvida de que é chegado o momento de, seguindo as instruções da
DEC/01/2002, revermos a estrutura institucional do Mercosul com vistas a fazer avançar o processo de
consolidação do bloco.
Para
tanto, sugerimos apenas alguns ajustes e retoques com vistas a aprimorar o que
já existe, mantendo a leveza, simplicidade e agilidade da estrutura atual.
Certamente, precisaremos repensar a estrutura orgânica do Mercosul,
em um futuro próximo, mas no momento atual, no qual temos ainda muito o que
construir em termos de normativa e tomada de decisão, podemos deixar os órgãos
como se apresentam, melhorando, apenas, seu funcionamento e interação, e
aperfeiçoando as competências que já possuem. Acreditamos que o momento seja de
aprofundamento e aperfeiçoamento e não de profundas mudanças e alterações.
No
que diz respeito à estrutura atual, em princípio, pode permanecer a mesma,
desde que cada um dos órgãos existentes tenha as suas competências revistas e
reforçadas. É fundamental que a CMC e o GMC tenham as suas competências
revistas e redefinidas, em especial no que diz respeito à solução de
controvérsias. Os Subgrupos de Trabalho e os Comitês Técnicos devem, em suas
reuniões, debates e tomadas de decisão: a) manter a relação de interação e
complementaridade, e b) contar com a
participação de representantes dos setores das atividades profissionais e
empresariais pertinentes aos vários temas que estão sob a responsabilidade de
cada Subgrupo e Comitê. Tais representantes, contudo, somente devem ser
admitidos nas reuniões desde que tenham propostas e contribuições pertinentes e
adequadas capazes de fazer avançar os trabalhos.
O
Foro Consultivo Econômico e Social deve ser revitalizado haja vista sua
importante função junto à comunidade civil. Pouco se sabe hoje do trabalho do
Foro Consultivo que poderia contar com a participação importante do meio
acadêmico, podendo receber valiosas contribuições da sociedade. Para tanto é
preciso que o trabalho do Foro seja contínua e eficazmente divulgado e que o
Foro se transforme em um elo de ligação da comunidade civil com os demais
órgãos encarregados das Decisões, Resoluções e Diretrizes e Propostas.
A
Comissão Parlamentar Conjunta deve ter suas funções revistas a fim de trabalhar mais ativamente junto ao CMC, GMC e CCM São fundamentais os trabalhos
institucionais levados a efeito pela Comissão, contudo é preciso que este órgão
tenha uma participação mais destacada e eficiente na consolidação do processo
de integração e na conformação e incorporação da normativa Mercosul nos
ordenamentos jurídicos internos. A Comissão precisa se transformar no centro
político-institucional de discussão dos temas fundamentais e centrais da
integração, e não se conformar apenas com a função de órgão de apoio e
complementar. É preciso que a Comissão tome para si a responsabilidade dos
debates, esclarecimentos à sociedade civil, plebiscitos acerca de questões
fundamentais, bem como tenha maior visibilidade junto à comunidade de cada um
dos Estados-Partes.
Como
já se disse acima, é preciso que se institua o Tribunal Permanente de Revisão,
por meio da ratificação, pelos Estados-Partes, do Protocolo de Olivos. O
Tribunal Permanente fará prosperar a continuidade e o aprimoramento do processo
de integração regional. A entrada em vigor do Protocolo de Olivos é um fator
importante na consolidação da vontade política dos países de manter e ampliar
seu investimento no bloco. Sobretudo no momento atual de crise e incerteza.
A
Secretaria Administrativa, conforme veremos a seguir, é um órgão vital e deve
passar por importantes transformações.
2.5. Transformação da Secretaria
Administrativa do Mercosul (SAM) em uma Secretaria Técnica, definindo (a)
funções e competências, (b) recursos necessários, (c) outros aspectos
relevantes para alcançar os resultados de maneira mais rápida e eficaz possível
(CMC 16/02)
O
Mercosul encontra-se, hoje, em um estágio do processo de integração no qual as
barreiras que persistem no comércio intra-bloco são, basicamente, as não
tarifárias. Este tipo de barreira, difuso e não claramente identificável, por
natureza, não se sujeita a um processo de eliminação em bases automáticas, como
o aplicado às barreiras tarifárias.
A
identificação das barreiras não tarifárias e a definição de regras visando à
sua eliminação pode ser feita por funcionários dos governos dos Estados-Partes,
atuando em conjunto, como têm ocorrido nos Grupos de Trabalho do Mercosul desde
a sua instituição. Não obstante, entendemos que a envergadura dos trabalhos
nesta matéria exige, para alcançar em tempo hábil resultados consistentes, a
sistematização por uma estrutura técnica autônoma e neutra, voltada
exclusivamente para esse fim.
A
evolução do processo de integração em outras áreas, como solução de
controvérsias, também exige maior sistematização e memória institucional.
Assim,
parece-nos que chegou a hora de criar-se um corpo técnico dedicado
integralmente às atividades do Mercosul. É claro que, para manter-se fiel à
idéia de leveza institucional que sempre permeou o projeto do Mercosul, e
atender às restrições orçamentárias dos
Estados-Partes, esta estrutura tem de ser a mais enxuta possível, sem
sombra de identificação com a burocracia do sistema comunitário europeu.
Guardadas as devidas proporções, a SAM, como Secretaria Técnica, poderia passar
a ter estrutura e funções similares às do secretariado da OMC.
2.6. Definição dos instrumentos
aplicáveis para a eliminação gradual de antidumping e medidas compensatórias no
comércio intra-zona (CMC 16/01) e definição de disciplinas comuns à utilização
de incentivos aos investimentos à produção e exportação intra-zona (CMC 10/01)
A
eliminação das medidas de defesa comercial e a definição de regras comuns sobre
auxílio estatais são questões fundamentais dada a progressão do processo de
integração no Mercosul, que passa do nível tarifário para o nível
concorrencial, o que exige o nivelamento do campo de jogo. Por isto estas
questões têm de ser tratadas conjuntamente, e em conexão com as regras de
defesa da concorrência.
No
que tange à ação do Estado, sugerimos o estabelecimento de normas disciplinando
a outorga de auxílios estatais pelos Estados-Partes do Mercosul, no âmbito da
legislação de defesa da concorrência, e seguindo, em linhas gerais, parâmetros
similares aos estabelecidos nesta matéria, pelo direito comunitário europeu
(artigos 92 a 94 do Tratado de Roma). No sistema europeu, a concessão de
auxílios é proibida, na medida em que afete as trocas entre os Estados Membros,
falseando ou ameaçando falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou
certas produções. São contempladas algumas exceções, mas a concessão de
auxílios com base nestas exceções exige autorização de órgãos comunitários.
Quanto
à disciplina concorrencial das atividades dos agentes privados, a questão passa
pela reforma do Protocolo de Fortaleza. O sistema implantado pelo Protocolo de
Fortaleza implica a sujeição da decisão técnica a crivo político, e, conseqüentemente,
à possibilidade de seu bloqueio por consenso. Uma solução possível, sem alterar
muito a estrutura do Protocolo, seria atribuir a defesa da concorrência a um
órgão técnico e exigir o consenso negativo para afastamento da decisão do órgão
técnico. Esta seria uma pequena diferença, que já sinalizaria um grande avanço.
Para evitar onerar excessivamente o orçamento do Mercosul, poderia ser
implantado sistema de cooperação entre o órgão técnico e as autoridades
nacionais, ou ser autorizada a atuação das autoridades nacionais por mandato da
Comissão.
Em
relação à eliminação de direitos antidumping e de medidas compensatórias no
comércio intra-bloco, é necessário estabelecer prazos determinados. Em um
período provisório poderia ser adotado um mecanismo similar ao artigo 19 do
NAFTA (possibilidade de optar-se entre levar questões com decisão
administrativa final à corte dos
Estados Partes, ou revisão por órgão independente).
3. Outros temas relevantes -
perspectiva jurídica e institucional
Além dos temas críticos já referidos acima,
diretamente relacionados às decisões oriundas do projeto de “relançamento do
Mercosul”, vale ainda destacar, sob uma perspectiva jurídica e institucional,
alguns temas adicionais.
3.1. Enfrentamento das
questões constitucionais
Ressaltamos a importância do enfrentamento, pelo
Brasil, dos problemas constitucionais implicados no conflito entre as fontes
internas, internacionais e regionais, a exemplo das reformas constitucionais já
realizadas na Argentina e Paraguai. Esta questão tem implicações diretas sobre
a definição das alternativas possíveis para o sistema de solução de
controvérsias.
3.2. Definição de regras
sobre válvulas de escape (salvaguardas)
Outro ponto fundamental é a definição de regras sobre
válvulas de escape (salvaguardas), a fim de atender situações
especiais/críticas enfrentadas pelos Estados-Partes, mantendo a previsibilidade
e a segurança jurídica para os investidores. Na situação atual, não há previsão
legal de hipóteses para derrogação das normas do Mercosul, mas o descumprimento
das regras têm sido admitido casuisticamente pelos Estados-Partes, minando a
credibilidade do processo de integração. É melhor admitir que as regras podem
vir a ser descumpridas, delimitando clara e estritamente as hipóteses em que
esta derrogação é admitida.
Neste sentido, é interessante observar as normas
vigentes na CE, durante o período inicial de sua integração econômica. Estas
normas incluíam cláusula de salvaguarda em caso de dificuldade na balança de
pagamentos, que permitia a imposição de restrições à livre circulação de
mercadorias, sob autorização da Comissão, órgão executivo da Comunidade
Européia, que definia condições e modalidades. Além disso, havia também a
possibilidade de imposição de salvaguarda unilateral em caso de crise
repentina.
3.3. Política comercial
comum
Abrange negociações, restrições quantitativas,
política de exportação, defesa comercial. No período de transição, na
Comunidade Européia, havia o compromisso dos Estados membros de conservarem
posição solidária (art. 16) definida pelo Conselho (órgão intergovernamental).
No Mercosul, não podemos mais fugir da reflexão aprofundada acerca da definição
de uma política comercial comum.
4. Outros temas relevantes -
perspectiva econômica e comercial
·
Aperfeiçoamento das políticas já existentes e o lançamento de novas políticas que
possibilitem uma melhor conformação do bloco.
·
Alargamento do seu espaço geográfico – com a adesão de novos
membros como a Venezuela, Chile, Bolívia e outros.
O
fortalecimento do Mercosul implica a expansão de seus vínculos econômicos
intra-bloco, bem como a construção de
políticas macroeconômicas e setoriais comuns. Devemos buscar a melhoria
qualitativa e quantitativa das relações intra-bloco e extra-bloco, com vistas a
facilitar o desenvolvimento tanto interno quanto externo do Mercosul.
5. Conclusão
Muitas
são as medidas que devemos promover visando o aprofundamento e aperfeiçoamento
do Mercosul. O mais importante neste momento é nos debruçarmos sobre uma agenda
de trabalho comum, possível e que seja
capaz de reforçar os compromissos assumidos nos tratados constitutivos e
protocolos complementares.
Dificuldades, com certeza, existem, mas as saídas são sempre
inexauríveis desde que a consciência política multilateral prevaleça e seja
fruto do consenso.
Os
nossos maiores desafios continuam sendo as barreiras constitucionais
existentes, principalmente no Brasil e no Uruguai, para a conformação de um
“mercado comum”. Da mesma forma, é preciso que enfrentemos com coragem o tema
da incorporação do Direito do Mercosul nos ordenamentos jurídicos nacionais. A
importância desses dois temas fica clara quando começamos a observar as
discussões suscitadas em nossos tribunais internos e as primeiras decisões
envolvendo o direito das pessoas (físicas e jurídicas) frente ao novo arcabouço
jurídico do Mercosul. É preciso que reflitamos se o atual Direito do Mercosul e
o modo de sua incorporação nos direitos internos, são suficientemente sólidos e
adequados para estimular os compromissos assumidos e fortalecer as suas
instituições.
Setembro/2002