17 de Julio de 2024
Edicion 7007 ISSN 1667-8486
Próxima Actualización: 18/07/2024

Mercosul: Presente e Futuro

 
MERCOSUL: PRESENTE E FUTURO

1. Diagnóstico - Origem e quadro atual do Mercosul

 

A constituição do Mercosul foi acordada, em 1991, em um contexto de redemocratização na América Latina e de início de uma fortíssima concorrência, em âmbito global, pela atração de investimentos e por mercados. Naquele momento, a integração econômica foi vista por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai como um objetivo de interesse comum, porque, supostamente, daria a todos os Estados-Partes melhores condições para atender os respectivos interesses nacionais de garantia da estabilidade democrática, aumento da competitividade e do poder de negociação no âmbito internacional. Estes traços são destacados no próprio preâmbulo do Tratado de Assunção.

 

Até o advento da crise econômica internacional de 1998-1999, a execução do projeto Mercosul se deu a contento, em linhas gerais. O caráter automático do processo de desgravação tarifária passava a imagem de um sistema que seguia regras e permitia previsibilidade aos investidores e parceiros comerciais, logrando, assim, seus objetivos de atração de investimentos e incentivo à alocação eficiente dos recursos e à integração das cadeias produtivas. O pós-1998-1999, porém, trouxe, de um lado, a adoção de medidas unilaterais que desestabilizaram o campo de jogo regional, provocando dissenso e ressentimento, e, de outro, a repetição de vários episódios de uso casuístico de medidas nacionais contrárias às regras de integração estabelecidas, sempre ao sabor dos momentos críticos que têm sucedido a cada um dos Estados-Partes do Mercosul, neste período tempestuoso.

 

As medidas unilaterais adotadas pelos parceiros e, principalmente, a descontinuidade casuística da aplicação das regras previstas no projeto de integração original, às vezes chancelada por todos os Estados-Partes do bloco, têm tido o grave efeito de minar a credibilidade do projeto Mercosul perante investidores, terceiros países e os próprios cidadãos dos países membros. A conseqüência inexorável desta perda de credibilidade é a erosão dos próprios objetivos que determinaram a criação do Mercosul: o bloco perde atratividade (tanto para aqueles que apostaram no mercado integrado deixando de obter os resultados previstos, como para outros que poderiam investir no projeto), e perde respeito (e poder de negociação) no plano internacional.

 

 Para reverter este processo de esfriamento do bloco econômico, os Estados-Partes têm se empenhado no projeto denominado “relançamento do Mercosul”, sob o qual sucessivas Cúpulas do Conselho Mercado Comum vêm expedindo Decisões sobre a disciplina de várias matérias estratégicas para a garantia da efetividade das regras de jogo no Cone Sul. Acerca do corpo de Decisões oriundas deste projeto é que nos debruçamos, selecionando aquelas que nos parecem mais relevantes, e sobre elas teceremos nossos comentários, com vistas a uma reflexão prospectiva sobre o Mercosul, orientada para a efetividade das suas normas e eficiente continuidade na busca do cumprimento das obrigações assumidas nos tratados fundacionais.

 

 

2. O relançamento do Mercosul – Temas críticos

 

Dentre as Decisões oriundas do projeto de “relançamento do Mercosul”, apresentamos, a seguir, nossas considerações sobre aquelas que nos pareceram mais relevantes, com vistas a uma reflexão prospectiva, orientada para a efetividade das normas do bloco econômico.

 

 

2.1. Aprovação do Protocolo de Olivos para a solução de controvérsias no Mercosul

 

O Tribunal Permanente de Revisão  representa um passo importante no fortalecimento do processo de integração. Neste sentido, deveríamos refletir também sobre os seguintes aspectos:

 

a) Aperfeiçoamento da etapa pós-laudo arbitral (tanto para os tribunais “ad hoc” quanto para as decisões do Tribunal Permanente), no que diz respeito ao cumprimento dos laudos e decisões  e ao alcance das medidas compensatórias:

 

O procedimento de implementação não é muito claro no Protocolo de Olivos. Para afastar problemas de interpretação precisamos esclarecer e delimitar o sentido da “obrigatoriedade do laudo” e da “decisão do Tribunal”. Também sugerimos a introdução de um sistema de acompanhamento do laudo e da decisão proferidos, a fim de verificar sua aplicação e cumprimento (conforme disposto no Regulamento do Acordo Mercosul-Chile). Os laudos e decisões devem passar a ser publicados no Diário Oficial dos países membros e no Boletim Oficial do Mercosul em um prazo de trinta dias.

 

b) Acesso dos particulares ao sistema de solução de controvérsias do Mercosul:

 

No que tange aos particulares, o sistema criado no Protocolo de Olivos, de acesso direto ao sistema de solução de controvérsias do Mercosul via GMC, embora seja uma iniciativa louvável, peca pela solução de continuidade. Com efeito, caso a decisão do GMC não seja executada, será necessário o percurso de todos os trâmites do procedimento arbitral franqueado apenas aos Estados Partes.

 

O particular também conta com poucos recursos no caso de descumprimento da decisão do Tribunal ad hoc ou do Tribunal Permanente, pois, nestes casos, a exigência de compensação/retaliação fica a cargo do Estado-Parte e não necessariamente reverte em favor do particular prejudicado pelas medidas restritivas consideradas ilegítimas. Uma alternativa de solução, seria franquear aos particulares acesso às vias administrativas e judiciais nacionais para reclamar os prejuízos causados pelo Estado que não cumpriu o laudo ou decisão.

 

Nesta linha, é interessante relembrar o exemplo do sistema europeu. O acesso ao Tribunal de Justiça da Comunidade Européia (TJCE), para questionar a legitimidade de medidas adotadas pelos Estados nacionais, é franqueado apenas ao Estados membros e aos órgãos comunitários, e não existe meio direto de coerção para obrigar os Estados membros a executarem sentença. Os particulares têm acesso direto ao TJCE apenas no caso de medidas originadas dos órgãos comunitários e que lhes digam respeito direta e individualmente (por exemplo, uma multa aplicada em uma investigação antitruste), e somente para (a) controle da legitimidade (incompetência, violação das normas fundamentais, violação dos tratados, desvio de poder), tendo como conseqüência a anulação do ato comunitário, ou (b) omissão do Conselho/Comissão. Os particulares não têm direito de recorrer contra atos de natureza legislativa.

 

Na prática, o acesso dos particulares se dá via questões prejudiciais nos tribunais nacionais (art. 177 do Tratado de Roma), e foi este o instrumento que favoreceu a aplicação uniforme e o desenvolvimento do direito comunitário europeu. Esta poderia ser uma alternativa para o Mercosul: os particulares teriam acesso nas cortes nacionais do país violador. Aqueles particulares são domiciliados no país violador poderiam se servir  da  Autoridade Central do Mercosul – que poderia ter suas funções ampliadas e revistas.

 

Para tanto, porém, teriam de ser superados dois obstáculos jurídicos, quais sejam, a proibição da exclusão de questões da apreciação do poder judiciário e a hierarquia das normas. Em relação ao primeiro ponto, sugerimos a análise da solução/interpretação adotada nos EUA e México para conciliar disposições constitucionais similares ao sistema  de opção por recurso ao Tribunal NAFTA, ao invés de ir a cortes nacionais, para reexame de questões de defesa comercial. Quanto ao segundo ponto, seria necessária reforma constitucional.

 

c) Estudo de alternativas para uma interpretação uniforme das normas do Mercosul:

 

Valorização da interpretação teleológica dos laudos e decisões, no sentido de que toda disposição relacionada com o Mercosul deve ser interpretada tendo-se em conta a finalidade prevista nos tratados constitutivos e seus protocolos complementares.

 

d) Aprimoramento institucional:

 

Sugerimos a fixação de critérios para a conformação das listas de árbitros “ad hoc” e expertos, e para a sua designação em cada caso, e a fixação de um período maior de estabilidade dos árbitros “ad hoc”.

 

O sistema de solução de controvérsias deve contar com pessoal técnico e administrativo permanente. Isto contribuirá não apenas para a execução das atividades pertinentes nos casos em curso no sistema, como para a criação e consolidação da cultura e da memória institucionais.

 

e) Agilização dos procedimentos de solução de controvérsias existentes e implementação de procedimentos sumários para casos determinados:

 

Devem ser estabelecidas normas, regras e procedimentos para que as partes delimitem de forma oportuna, clara e determinada o objeto da controvérsia (similar ao terms of reference do sistema de solução de controvérsias da OMC). As etapas do procedimento arbitral “ad hoc” poderiam ser simplificadas, com a definição daquelas a serem seguidas pelo Tribunal Permanente de Revisão, com vistas a uma maior agilidade dos processos. Deve haver determinação e indicação precisa sobre os prazos e os meios de prova, nos procedimentos “ad hoc” e no do Tribunal Permanente, com vistas a inibir a produção de provas desnecessárias e inadequadas.

 

f) Outros pontos críticos:

 

A par das questões referidas acima, ainda merece destaque a controvérsia sobre a não incorporação de normas. Este tema é relevante, dado o grande número de normas não incorporadas, e à inexistência de menção expressa no Protocolo.

 

Outro ponto interessante é a referência à escolha entre o sistema de solução de controvérsias do Mercosul, e o da OMC. A dúvida é: como fica essa realidade na OMC. Em outras palavras, a OMC acataria este ponto, como preliminar, em um caso de controvérsia entre Estados Partes do Mercosul que fosse levado à OMC, após ter havido opção pelo sistema do Mercosul?

 

Sobre essas questões precisamos ainda refletir cuidadosamente, com vistas à conciliar o sistema regional com a lógica  multilateral para que convivam de forma complementar e não conflitiva.

 

2.2. Regulamentação da aplicação no Mercosul de medidas adotadas ao amparo do Artigo 50 do Tratado de Montevidéu (CMC 06/02)

 

O primeiro passo a ser dado, neste ponto, é a definição, por regra expressa, de que as medidas tomadas com este fundamento não devem constituir nem um meio de discriminação injustificada ou arbitrária, nem restrição dissimulada ao comércio entre os Estados Partes, à semelhança do disposto no Artigo 36 do Tratado de Roma e no Artigo XX do GATT. Note-se, a propósito, uma diferença sutil: no Artigo XX do GATT, a discriminação arbitrária ou injustificada é vedada entre países em que prevaleçam as mesmas condições. Esta redação é menos pró-comércio que a do Artigo 36 do Tratado de Roma, permitindo a discussão sobre a equivalência da proteção conferida aos bens privilegiados pela regra excepcional.

 

Para ser mais fiel ao objetivo de integração econômica, o Mercosul deveria evitar o uso da ressalva “entre países em que prevaleçam as mesmas condições”. Não obstante, em um período de transição, este recurso poderia ser admitido, até que fossem harmonizadas as legislações nacionais nas matérias protegidas pelo Artigo 50 do Tratado de Montevidéu. Além disso, o Mercosul poderia estabelecer seus próprios Acordos sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias, Barreiras Técnicas e Propriedade Intelectual, em bases OMC-plus.

 

 

2.3. Disciplinas relativas aos procedimentos administrativos de comércio exterior (CMC06/02)

 

O Mercosul pode estabelecer um projeto similar ao do Mercado Único da Comunidade Européia: circulação de bens, serviços e fatores produtivos sem controle nas fronteiras no interior do Mercosul. Para tanto, poderia ser feita, sob a coordenação da Secretaria Executiva do Mercosul, um programa detalhado para a eliminação de barreiras, inclusive físicas (postos de fronteiras), existentes à livre circulação no interior do Mercosul. Este programa teria de compreender, necessariamente, de um lado, a padronização dos procedimentos e exigências aplicáveis às importações oriundas de terceiros Estados. De outro, demandaria o nivelamento do campo de jogo, por meio da harmonização legislativa nas áreas de segurança, saúde, proteção ambiental, proteção ao consumidor.

 

Poderia ser feito um projeto, à semelhança do Livro Branco adotado na Comunidade Européia, de determinação das barreiras técnicas (harmonização e aceitação mútua das regras sobre segurança, saúde, ambiente, etc., o que tem conexão com a questão da regulamentação do Artigo 50 do Tratado de Montevidéu), fiscais (diferenças na fiscalidade interna) e, físicas ao livre comércio. Tal estudo deveria compreender, também, a avaliação do impacto econômico da não integração, para quantificação dos benefícios decorrentes da integração.

 

O programa para estabelecimento do mercado interno no Mercosul deveria ser similar ao Ato Único Europeu, que determinou prazo, metas e  passos a serem observados.

 

 

2.4. Propostas destinadas ao fortalecimento institucional analisando: (a)estrutura, (b)competências, (c)funcionamento, (d)relação e (e)interação dos órgãos que integram a estrutura institucional do Mercosul (CMC 01/02)

 

Não resta dúvida de que é chegado o momento de, seguindo as instruções da DEC/01/2002, revermos a estrutura institucional do Mercosul  com vistas a fazer avançar o processo de consolidação do bloco.

 

Para tanto, sugerimos apenas alguns ajustes e retoques com vistas a aprimorar o que já existe, mantendo a leveza, simplicidade e agilidade da estrutura atual. Certamente,  precisaremos  repensar a estrutura orgânica do Mercosul, em um futuro próximo, mas no momento atual, no qual temos ainda muito o que construir em termos de normativa e tomada de decisão, podemos deixar os órgãos como se apresentam, melhorando, apenas, seu funcionamento e interação, e aperfeiçoando as competências que já possuem. Acreditamos que o momento seja de aprofundamento e aperfeiçoamento e não de profundas mudanças e alterações.

 

No que diz respeito à estrutura atual, em princípio, pode permanecer a mesma, desde que cada um dos órgãos existentes tenha as suas competências revistas e reforçadas. É fundamental que a CMC e o GMC tenham as suas competências revistas e redefinidas, em especial no que diz respeito à solução de controvérsias. Os Subgrupos de Trabalho e os Comitês Técnicos devem, em suas reuniões, debates e tomadas de decisão: a) manter a relação de interação e complementaridade, e  b) contar com a participação de representantes dos setores das atividades profissionais e empresariais pertinentes aos vários temas que estão sob a responsabilidade de cada Subgrupo e Comitê. Tais representantes, contudo, somente devem ser admitidos nas reuniões desde que tenham propostas e contribuições pertinentes e adequadas capazes de fazer avançar os trabalhos.   

 

O Foro Consultivo Econômico e Social deve ser revitalizado haja vista sua importante função junto à comunidade civil. Pouco se sabe hoje do trabalho do Foro Consultivo que poderia contar com a participação importante do meio acadêmico, podendo receber valiosas contribuições da sociedade. Para tanto é preciso que o trabalho do Foro seja contínua e eficazmente divulgado e que o Foro se transforme em um elo de ligação da comunidade civil com os demais órgãos encarregados das Decisões, Resoluções e Diretrizes e Propostas.

 

A Comissão Parlamentar Conjunta deve ter suas funções revistas a fim de  trabalhar mais ativamente junto ao CMC,  GMC e CCM São fundamentais os trabalhos institucionais levados a efeito pela Comissão, contudo é preciso que este órgão tenha uma participação mais destacada e eficiente na consolidação do processo de integração e na conformação e incorporação da normativa Mercosul nos ordenamentos jurídicos internos. A Comissão precisa se transformar no centro político-institucional de discussão dos temas fundamentais e centrais da integração, e não se conformar apenas com a função de órgão de apoio e complementar. É preciso que a Comissão tome para si a responsabilidade dos debates, esclarecimentos à sociedade civil, plebiscitos acerca de questões fundamentais, bem como tenha maior visibilidade junto à comunidade de cada um dos Estados-Partes.

 

Como já se disse acima, é preciso que se institua o Tribunal Permanente de Revisão, por meio da ratificação, pelos Estados-Partes, do Protocolo de Olivos. O Tribunal Permanente fará prosperar a continuidade e o aprimoramento do processo de integração regional. A entrada em vigor do Protocolo de Olivos é um fator importante na consolidação da vontade política dos países de manter e ampliar seu investimento no bloco. Sobretudo no momento atual de crise e incerteza.

 

A Secretaria Administrativa, conforme veremos a seguir, é um órgão vital e deve passar por importantes transformações.

  

2.5. Transformação da Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM) em uma Secretaria Técnica, definindo (a) funções e competências, (b) recursos necessários, (c) outros aspectos relevantes para alcançar os resultados de maneira mais rápida e eficaz possível (CMC 16/02)

 

O Mercosul encontra-se, hoje, em um estágio do processo de integração no qual as barreiras que persistem no comércio intra-bloco são, basicamente, as não tarifárias. Este tipo de barreira, difuso e não claramente identificável, por natureza, não se sujeita a um processo de eliminação em bases automáticas, como o aplicado às barreiras tarifárias.

 

A identificação das barreiras não tarifárias e a definição de regras visando à sua eliminação pode ser feita por funcionários dos governos dos Estados-Partes, atuando em conjunto, como têm ocorrido nos Grupos de Trabalho do Mercosul desde a sua instituição. Não obstante, entendemos que a envergadura dos trabalhos nesta matéria exige, para alcançar em tempo hábil resultados consistentes, a sistematização por uma estrutura técnica autônoma e neutra, voltada exclusivamente para esse fim.

 

A evolução do processo de integração em outras áreas, como solução de controvérsias, também exige maior sistematização e memória institucional.

 

Assim, parece-nos que chegou a hora de criar-se um corpo técnico dedicado integralmente às atividades do Mercosul. É claro que, para manter-se fiel à idéia de leveza institucional que sempre permeou o projeto do Mercosul, e atender às restrições orçamentárias dos  Estados-Partes, esta estrutura tem de ser a mais enxuta possível, sem sombra de identificação com a burocracia do sistema comunitário europeu. Guardadas as devidas proporções, a SAM, como Secretaria Técnica, poderia passar a ter estrutura e funções similares às do secretariado da OMC.

 

 

2.6. Definição dos instrumentos aplicáveis para a eliminação gradual de antidumping e medidas compensatórias no comércio intra-zona (CMC 16/01) e definição de disciplinas comuns à utilização de incentivos aos investimentos à produção e exportação intra-zona (CMC 10/01)

 

A eliminação das medidas de defesa comercial e a definição de regras comuns sobre auxílio estatais são questões fundamentais dada a progressão do processo de integração no Mercosul, que passa do nível tarifário para o nível concorrencial, o que exige o nivelamento do campo de jogo. Por isto estas questões têm de ser tratadas conjuntamente, e em conexão com as regras de defesa da concorrência.

 

No que tange à ação do Estado, sugerimos o estabelecimento de normas disciplinando a outorga de auxílios estatais pelos Estados-Partes do Mercosul, no âmbito da legislação de defesa da concorrência, e seguindo, em linhas gerais, parâmetros similares aos estabelecidos nesta matéria, pelo direito comunitário europeu (artigos 92 a 94 do Tratado de Roma). No sistema europeu, a concessão de auxílios é proibida, na medida em que afete as trocas entre os Estados Membros, falseando ou ameaçando falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções. São contempladas algumas exceções, mas a concessão de auxílios com base nestas exceções exige autorização de órgãos comunitários.

 

Quanto à disciplina concorrencial das atividades dos agentes privados, a questão passa pela reforma do Protocolo de Fortaleza. O sistema implantado pelo Protocolo de Fortaleza implica a sujeição da decisão técnica a crivo político, e, conseqüentemente, à possibilidade de seu bloqueio por consenso. Uma solução possível, sem alterar muito a estrutura do Protocolo, seria atribuir a defesa da concorrência a um órgão técnico e exigir o consenso negativo para afastamento da decisão do órgão técnico. Esta seria uma pequena diferença, que já sinalizaria um grande avanço. Para evitar onerar excessivamente o orçamento do Mercosul, poderia ser implantado sistema de cooperação entre o órgão técnico e as autoridades nacionais, ou ser autorizada a atuação das autoridades nacionais por mandato da Comissão.

 

Em relação à eliminação de direitos antidumping e de medidas compensatórias no comércio intra-bloco, é necessário estabelecer prazos determinados. Em um período provisório poderia ser adotado um mecanismo similar ao artigo 19 do NAFTA (possibilidade de optar-se entre levar questões com decisão administrativa final à corte dos
Estados Partes, ou revisão por órgão independente).

 

3. Outros temas relevantes - perspectiva jurídica e institucional

 

Além dos temas críticos já referidos acima, diretamente relacionados às decisões oriundas do projeto de “relançamento do Mercosul”, vale ainda destacar, sob uma perspectiva jurídica e institucional, alguns temas adicionais.

 

 

3.1. Enfrentamento das questões constitucionais

 

Ressaltamos a importância do enfrentamento, pelo Brasil, dos problemas constitucionais implicados no conflito entre as fontes internas, internacionais e regionais, a exemplo das reformas constitucionais já realizadas na Argentina e Paraguai. Esta questão tem implicações diretas sobre a definição das alternativas possíveis para o sistema de solução de controvérsias.

 

 

3.2. Definição de regras sobre válvulas de escape (salvaguardas)

 

Outro ponto fundamental é a definição de regras sobre válvulas de escape (salvaguardas), a fim de atender situações especiais/críticas enfrentadas pelos Estados-Partes, mantendo a previsibilidade e a segurança jurídica para os investidores. Na situação atual, não há previsão legal de hipóteses para derrogação das normas do Mercosul, mas o descumprimento das regras têm sido admitido casuisticamente pelos Estados-Partes, minando a credibilidade do processo de integração. É melhor admitir que as regras podem vir a ser descumpridas, delimitando clara e estritamente as hipóteses em que esta derrogação é admitida.

 

Neste sentido, é interessante observar as normas vigentes na CE, durante o período inicial de sua integração econômica. Estas normas incluíam cláusula de salvaguarda em caso de dificuldade na balança de pagamentos, que permitia a imposição de restrições à livre circulação de mercadorias, sob autorização da Comissão, órgão executivo da Comunidade Européia, que definia condições e modalidades. Além disso, havia também a possibilidade de imposição de salvaguarda unilateral em caso de crise repentina.

 

 

3.3. Política comercial comum

 

Abrange negociações, restrições quantitativas, política de exportação, defesa comercial. No período de transição, na Comunidade Européia, havia o compromisso dos Estados membros de conservarem posição solidária (art. 16) definida pelo Conselho (órgão intergovernamental). No Mercosul, não podemos mais fugir da reflexão aprofundada acerca da definição de uma política comercial comum.

 

 

4. Outros temas relevantes - perspectiva econômica e comercial

 

Finalmente, sob uma perspectiva econômica e comercial, consideramos relevantes ações visando ao:

 

·         Aprofundamento do Mercosul, com a ampliação de seus meios de ação, bem como das matérias que estão sob a responsabilidade da organização – como aspectos da TEC e normas técnicas – visando um estágio mais avançado da integração.

 

·         Aperfeiçoamento das políticas já existentes e o lançamento de novas políticas que possibilitem uma melhor conformação do bloco.

 

·         Alargamento do seu espaço geográfico – com a adesão de novos membros como a Venezuela, Chile, Bolívia e outros.

 

O fortalecimento do Mercosul implica a expansão de seus vínculos econômicos intra-bloco, bem como  a construção de políticas macroeconômicas e setoriais comuns. Devemos buscar a melhoria qualitativa e quantitativa das relações intra-bloco e extra-bloco, com vistas a facilitar o desenvolvimento tanto interno quanto externo do Mercosul.

 

 

5. Conclusão

 

Muitas são as medidas que devemos promover visando o aprofundamento e aperfeiçoamento do Mercosul. O mais importante neste momento é nos debruçarmos sobre uma agenda de trabalho comum,  possível e que seja capaz de reforçar os compromissos assumidos nos tratados constitutivos e protocolos complementares.  Dificuldades, com certeza, existem, mas as saídas são sempre inexauríveis desde que a consciência política multilateral prevaleça e seja fruto do consenso.

 

Os nossos maiores desafios continuam sendo as barreiras constitucionais existentes, principalmente no Brasil e no Uruguai, para a conformação de um “mercado comum”. Da mesma forma, é preciso que enfrentemos com coragem o tema da incorporação do Direito do Mercosul nos ordenamentos jurídicos nacionais. A importância desses dois temas fica clara quando começamos a observar as discussões suscitadas em nossos tribunais internos e as primeiras decisões envolvendo o direito das pessoas (físicas e jurídicas) frente ao novo arcabouço jurídico do Mercosul. É preciso que reflitamos se o atual Direito do Mercosul e o modo de sua incorporação nos direitos internos, são suficientemente sólidos e adequados para estimular os compromissos assumidos e  fortalecer  as suas instituições.

 

Setembro/2002 

 

 

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