I – Introdução
No dia 18 de junho de2003, na cidade de Assunção, o Presidente da República do Brasil, Luis InácioLula da Silva, apresentou algumas propostas para a constituição de um programade médio prazo para o Mercado Comum do Sul ou como é mais conhecido, Mercosul,tendo como objetivo o ano de 2006. Nestas propostas, insere-se um tópico sobrea Integração Produtiva Avançada, a qual prevê a promoção, entre outrasiniciativas, de alianças estratégicasentre empresas, assistência e capacitação técnica intrabloco, fortalecimento depolíticas industriais, política de inovação tecnológica, bem como meios departicipação das entidades empresariais nesse esforço.
Surge aqui um dubium, qual seja, como ficará alegislação brasileira frente à adoção do Tratado quando houver conflito entreas legislações internas, sobretudo quando foi prevista a promoção de aliançasestratégicas entre empresas, visto que na Argentina, por exemplo, é permitido ojogo de azar?
Analisando-se a priori, o jogo de azar no Brasil, encontrarádificuldades em ser legalizado em razão do Tratado, pois trata-se deum assunto polêmico e em evidência atualmente, no país. No dia 20 de fevereiro de 2004, o Presidenteeditou, com urgência, uma medida provisória proibindo bingos e máquinas de caça-níquelno respectivo território. A iniciativa para essa medida teve origem em umescândalo envolvendo o ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil,Waldomiro Diniz. Diniz, que negociava dinheiro para campanhas com bicheiros epedia comissão pelo serviço.
II –POSSIBILIDADE DE ANTINOMIA NO MERCOSUL EM MATÉRIA DE JOGOS DE AZAR
A possibilidade deantinomias é inerente ao sistema jurídico. Haverá, por certo, conflitos entre as normas sobre essa matéria, dospaíses integrantes do Mercosul e o problemaaqui seria solucioná-las, percebendo-se que esta solução não será tão simplescomo possa parecer num primeiro momento, porque envolvem questões culturais,políticas e morais. O Brasil historicamente, exceto o período compreendidoentre 1993 à 2001, em que houvepermissão para o jogo de azar com as Leis n. 8.672/93, conhecida como Lei Zico,e 9.615/98, conhecida como Lei Pelé, proíbe o jogo de azar. A Lei n. 9.981/00, conhecida como Lei Maguitoveio para proibir essa permissão, definindo esse jogo como aquele em que sesorteiam ao acaso números de 1 a 90, mediante sucessivas extrações, até que umou mais concorrentes atinjam o objetivo previamente determinado, podendo serrealizado nas modalidades de jogo de bingo permanente e jogo de bingo eventual.Que fique bem claro que as máquinas caça-níqueis desde sempre em nossalegislação foram proibidas.
Os jogos de azar, nesse caso específico os bingos, não estãoautorizados a funcionar porque historicamente expõem amplamente o consumidor. Oartigo 814 do atual Código Civil Brasileiro, que regula que "as dívidas dejogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar a quantia,que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente émenor ou interdito".No artigo 815 do mesmo Código, fica evidente que "não se pode exigirreembolso do que se emprestou para jogo ou aposta, no ato de apostar oujogar". O que deve ser observado, é que há uma impossibilidadejurídica de o consumidor, na figura do jogador ou apostador, exercer a facultas agendi, ou seja, a faculdade deagir, já que este encontra-se desamparado pelo atual Código Civil. Exceçãofaz-se a figura do menor ou do interdito.
Além do mais, entendem asautoridades que, esse tipo de jogo pode levar a ruína famílias inteiras e oBrasil, convenhamos, já tem um grau de comprometimento com esse tipo deatividade, porque quando foi liberado, muitas fraudes ocorreram, principalmentena época da vigência do INDESP (Instituto Nacional de Desenvolvimento doDesporto), que acabou por transferir todas as suas atribuições a CaixaEconômica Federal, por causa das denúncias. Nesse mesmo ano, foi veiculado pelo jornal Folha de SãoPaulo (08/11/2000), que a Caixa Econômica Federal deveria combater asonegação fiscal em casas de bingos. Dizia a matéria que, pela lei, as casas seriam obrigadas a contribuir com 7% da arrecadaçãopara o Ministério do Esporte e Turismo e investir no desenvolvimento depráticas esportivas, surgindo daí um problema. Pelo que foi divulgado, apenas150 casas estão aptas a funcionar, contra uma estimativa de 1.500 que estãooperando na clandestinidade. Para acabar com a sonegação, o governo deu poderpara a Caixa Econômica Federal explorar, regulamentar e fiscalizar os jogos debingo, o que também não contribuiu com grandesresultados. No mais, há que se reconhecer que muitas fraudesocorreram no tocante à administração desse tipo de jogo, e conseqüentemente alavagem de dinheiro tornou-se algo corriqueiro para alguns exploradores desseramo.
No âmbito do Mercosul a matéria recebe tratamento jurídicodiverso. Ao contrário do que ocorre no Brasil, na Argentina, no dia 14 de junhode 2002 em La Plata, no Decreto 1372, em seu artigo 1° decretado pela capitalde Buenos Aires, foi autorizado o funcionamento de máquinas eletrônicas dejogos de azar nas salas de bingo habilitadas na capital de Buenos Aires[6].Ainda, foi permitido nas salas as máquinas caça-níqueis que sempre foramproibidas no Brasil, pois em seu artigo 6º declara que o máximo de máquinaseletrônicas de jogos de azar (excluídas as de bingo eletrônico) autorizadas porsala, não poderá superar, em números, os 50% dos lugares de jogos de bingotradicional autorizados. Em seu artigo 3° é explicado, como foi naépoca em que permitiu-se o jogo no Brasil, que os prêmios produzidos por essasmáquinas se distribuirão das seguintes formas: 34% para a cidade, conforme oque determina a Lei n. 11.018, entre Orgãos Públicos, Entes descentralizados,autárquicos e municipais e 66% irá para a casa de bingo. Com essa porcentagem,a Entidade de bem público, titular do estabelecimento de bingo, deverá dividircom terceiro contratante não podendo perceber um montante inferior a 1% dobenefício econômico obtido.
Aqui, não há restrição para o jogo, assim sendo, haveráchoque entre as normas brasileira e a argentina, pois como essa matéria é deinteresse público, que afeta à comunidade de maneira direta e indireta, oBrasil entende que não pode de maneira nenhuma permitir esses tipos de jogos emseu território, e a Argentina não está disposta a abolir de seu ordenamento osjogos de azar, visto que obtém deles lucros, empregos diretos e indiretos, epelo visto, mantém uma fiscalização rigorosa quanto a lavagem de dinheiro. Pelomenos, a primeira vista é o que parece.
Essas posturas legislativas diferentes podem gerar conflitosna disciplina jurídica da organização empresarial. Ao se permitir a livreassociação entre empresas o Brasil estaria viabilizando o burlar a lei quanto àpráticas em seu território condenadas, Nada impede que um cidadão brasileiro,ao associar-se a empresas que tenham por objeto a promoção de jogos de azar ,lave dinheiro em terras argentinas, que volta para o Brasil como fruto de umaatividade lícita.
III – A APLICAÇÃO DAS NORMASINTERNA E INTERNACIONAL NO BRASIL E AS ASSOCIAÇÕES EMPRESARIAIS
Entendem os juristas quepara a maior efetividade do processo integracionista a norma de origem internacional deve ter prevalência sobre normade natureza interna. Assim, anormativa do Mercosul deriva da atividade institucional dos órgãos comcapacidade decisória que compõem o bloco, de modo a promover a integração.Atualmente predomina a concepção que admite o pluralismo jurídico enquantopossibilidade de coexistência de ordens jurídicas distintas. Coexistem ordemjurídica nacional e internacional quesão inteiramente distintas.
Com o avanço dasnegociações do Mercosul, dentro em breve, os países integrantes – Argentina,Brasil, Paraguai e Uruguai – estarão pela proposta do governo, “integrando” mercadoriase serviços de várias ramificações.
Recentemente, surgiu nodireito empresarial, mais uma forma de organização da atividade econômica, quesão as chamadas associações consorciais. Tarrega afirma que, "o estudojurídico das associações consorciais e do consórcio de empresas no Brasil e umaprospecção no Mercosul revela o espaço socioeconômico de atuação dos institutosde cooperação empresarial e a importância da intervenção estatal nesse campo,tanto pelo processo legislativo, disciplinando a matéria, quanto pelo controleadministrativo e judicial da concentração econômica".[10]Assim, tem-se que as associações consorciais são muito importante para odesenvolvimento do bloco, devendo-se prestar atenção que quando comparado odireito dos países integrantes, é necessário levar em conta as regras morais esociais de conduta desses, pois novamente estamos diante de um conflito entrenormas e legislações.
A Constituição doParaguai de 1992, em sua artigo 107, manifesta-se a favor desse tipo deassociação, pois dispõe que "toda pessoa tem direito a dedicar-se àatividade econômica lícita de sua preferência dentro de um regime de igualdadede oportunidades. Oportuniza-se a concorrência no mercado. Não serão permitidasa criação de monopólios e a alta ou a baixa artificiais de preços que traiam alivre concorrência".Questiona-se que caso uma empresa brasileira, queira associar-se com umaempresa paraguaia e que sua atividade seja principalmente os jogos de azar oucassinos, a empresa brasileira estará sujeita a impedimentos pela legislaçãobrasileira caso o acordo seja feito em terras paraguaias?
Pode-se afirmar que, emprincípio, não haveria nenhum problema,mas aprofundando o questionamento, entende-se que caso isso ocorra, a empresabrasileira associada acaba por também receber lucros que viriam do Paraguai, eessa seria uma forma de as empresas burlarem a legislação brasileira, tornandoessa atividade legal.
Orlando Gomes, em seulivro Contratos, explica que "éilegal, em razão da causa, o contrato celebrado para atingir um fiminalcançável por seu intermédio e o que se destina a compor interesses que nãomerecem proteção legal". Tarrega completa dizendo que,"nos contratos de cooperação consorcial, o desvio da finalidade nãoimportará, obrigatoriamente, em ilegalidade do ato. O pacto entre empresáriosque revista a forma consorcial prevista na Lei de Sociedades por Ações, comfinalidade distinta das previstas no ordenamento jurídico, poderá ser lícito,como ocorre nos casos de contratos atípicos como joint ventures, clusters eoutros, mas não será consórcio. Será ilícito se visar um fim condenado pelodireito, como limitar a concorrência". Continua explicando que, "nospaíses signatários do Mercosul institucionalizaram-se modelos, que podem ser,com sucesso, usados para regular acordos de colaboração entre companhiascomerciais. Por outro lado, os interessados têm autonomia negocial para criarnovas formas contratuais. Pelo princípio da autonomia privada, diante dosilêncio da lei, as partes tem plena liberdade para regular seus interesses,criando novas formas contratuais, desde que não contrárias à ordem pública eaos bons costumes. Esses acordos findam por ter por características ainovação". Concluí-se portanto, que o jogo de azar apenas é ilícito noBrasil, então caso o contrato seja celebrado em outro país, com uma empresabrasileira integrante, nada impede sua associação, tornando seu objeto lícito,viabilizando a legalização do capital envolvido.
Ainda mais, pode gerarcompetiçao de mercado entre os países do bloco.: Empresários brasileirospoderão se transferir para o Paraguai, Uruguai e Argentina, com a facilidadeque será oferecida aos integrantes do Mercosul, com a livre circulação, fazendocom que, as atividades ilícitas (no Brasil) tornem-se lícitas , acabando apenaspor ter sua atividade lá, gerando lucros e transferências de renda no seu país de origem, permanecendoentão legalmente em nosso país. E não énecessário tanto esforço, já que as alianças, uniões transitórias de empresas,agrupamentos e consórcios, tem composto uma concentração empresarial que temconcretizado investimentos entre esses países. "Essas formas deinvestimento, como diz Tarrega, conferem segurança ao investidor estrangeiro eviabilizam negócios nos países que vivenciam instabilidade econômica edesequilíbrios sociais, por promoverem a partilha dos riscos financeiros, oemprego de tecnologia de ponta e adequada gestão do negócio"[13].
Por bases empíricas, jáhouve consórcios realizados entre brasileiros e estrangeiros no Brasil, e essesconsórcios confirmaram que é proporcionado ao empreendimento nacional o acessoà tecnologia utilizada nos países mais desenvolvidos e ao financiamento pelocapital estrangeiro. Há aqui também condições organizacionais e segurança porhaver partilha de riscos. Além disso, o empresário pode dispor dessaorganização para a comercialização de seus produtos e redução de custos. Aestrutura por ser flexível, adapta-se a conjuntura econômica local e dão maiorviabilidade de negociação. Ainda há o engajamento de vários empresários capazesde dimensionar para o mercado a especialização do produto pelo desenvolvimentodo negócio, a possibilidade de união das marcas, maior eficiência eprodutividade, capacitação financeira para as empresas, diversificação demercados, o atingir de mercados e o benefício de programas de exportação[14].E por que não se consorciar então pelas facilidades apresentadas e legislaçãoalienígena transformando o ilícito em lícito?
É essa questão que deveráentrar em pauta nas legislações e negociações, já que como foi visto, alegislação brasileira chocar-se-á com as dos outros países integrantes e nãopoderá permitir que esse tipo de atividade torne-se lícita por causa de umTratado. O caso é seríssimo, pois a lavagem de dinheiro ocorrida com o tráficode drogas seria ocorreria facilmente, burlando licitamente nossa ConstituiçãoFederal. E aqui até errada ficaria esse colocação, pois não se pode falar emburlar a lei já que as associações consorciais são permitidas no mundo jurídicobrasileiro.
O Tratado mencionadoacima seria um Tratado Internacional, que como define Alexandre de Moraes,"é o acordo entre dois ou mais sujeitos da comunidade internacional que sedestina a produzir determinados efeitos jurídicos. Diversas são as terminologiasutilizadas para a realização desses negócios jurídicos: tratados, atos, pactos,cartas, convênios, convenções, protocolos de intenções, acordos entre outros,sem que haja qualquer alteração em suas naturezas jurídicas"[15]. Para esse tratado internacional comporo ordenamento jurídico brasileiro, deverá o Presidente da República,privativamente, celebrar todos os tratados, convenções e atos internacionais(CF, art. 84, VIII); É de competência exclusiva do Congresso Nacional, resolverdefinitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretemencargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (CF, art. 49, I),observando que deverá ser promulgado pelo Presidente do Senado Federal epublicado. Moraes ensina que, "aedição de um decreto do Presidente da República, promulgando o ato ou tratadointernacional devidamente ratificado pelo Congresso Nacional, nesse momento,adquire executoriedade interna a norma inserida pelo ato ou tratadointernacional, podendo, inclusive, ser objeto de ação direta deinconstitucionalidade".
Temos que, caso o Tratadopasse a integrar nosso ordenamento por esses procedimentos expostos acima,ainda sim podem sofrer limitações impostas constitucionalmente, pois como oSupremo Tribunal Federal decidiu, os compromissos assumidos pelo Brasil emvirtude de convenções, atos, tratados, pactos ou acordos internacionais de queseja parte, devidamente ratificados pelo Congresso Nacional e promulgados epublicados pelo Presidente da República, apesar de ingressarem no ordenamentojurídico constitucional (CF, art. 5°, § 2°), não minimizam o conceito desoberania do Estado-povo na elaboração da sua Constituição, devendo, pois,serem sempre interpretados com as limitações impostas constitucionalmente (STF- 2ª T. – v.u. – Habeas corpus n°73044-2/SP – rel. Maurício Correa, Diárioda Justiça, Seção I, 20 set. 1996, p. 34.534).
O problema aqui é que nãotemos no Tratado nenhuma disposição expressa que trate dessa problemática, poiscaso contrário, seria passiva de controle de constitucionalidade, porque ajurisprudência decidiu que, esses atos normativos são passíveis de controledifuso e concentrado de constitucinalidade, pois apesar de originários deinstrumento internacional não guardam nenhuma validade no ordenamento jurídicointerno se afrontarem qualquer preceito da Constituição Federal (RTJ 84/724; RTJ 95/980). Assim temos que como não há uma norma expressainternacional a ser integrada em nosso ordenamento e então não nos é permitidofalar em controle de constitucinalidade mesmo que seja difuso, feita porqualquer juiz ou Tribunal, ou concentrado, feita pelo STF. Portanto, não temosdefesa quanto ao controle judiciário, mas sim quanto ao controle legislativo,editando regras para tentar frear a lavagem de dinheiro, editando uma lei queproíba associações consorciais consorciarem-se com empresas com atividades quesejam consideradas ilícitas no Brasil.